quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Fim. Dá a linha


Não ouço música, hoje, mas escuto um ambulante vendendo um negócio que acho que tira o sumo da laranja. Ele rosqueia e rosqueia a pobre da laranja; e tem toda a parafernália necessária para o espetáculo de vendas e, enfim, conquistar o seu público-alvo, vendeu três produtos: copo, o trocinho que tira o suco da fruta e guardanapo de pano com babado vermelho de crochê.
Lembrei-me de Elis cantando "O vendedor de laranjas". Acho que é isso.
Mundo bagaceiro esse.

Finda a linha


Pouco tempo dura pra algo acontecer. Na Luz, avisto bichos... Um tigre, um urso amarelo, dois rosas, uma targaruga e um panda, que a mãe de um garotinho que boceja, acaba de comprar, mas que ele nem liga. Que compulsão ficar comprando coisas e outros bichos pra compensar a desatenção com os filhos ou só pra dizer: "Olha, eu compro tudo o que ele quer!". Ele quer? Esse trem que sai da Luz e vai pra Santo André é refrigerado. Salvo os riscos que homens e mulheres pré-históricos fazem nos vidros, deixando suas marcas, dá pra levar. Nos levar...
Divaguei. Divagar. De vagão. Estou vaga na estação.

Fim da linha

A viagem está chegando ao fim. Mais duas ou três estações e acho que despeço-me de quem me acompanha e de quem acabou de chegar e já quer sentar na janelinha e conversar com o motorista. Mas valeu a experiência. Pra quem, não sei... Uma amiga disse que a gente precisa passar (e pagar passagem) por algumas situações difíceis (eu diria beirando ao insustentável) pra valorizar o que se tem. Ok, eu, realmente, tenho muito e não tenho sabido dar o devido valor, mas e esses passageiros da agonia? Estão pagando o quê? O prejuízo das coisas tragadas pelas inundações como a Maria de Fátima, da história postada aqui? Ah, claro... Estão pagando uma noite em claro na rua, com um monte de crianças e trouxas, porque pegou o trem errado. Sinceramente? Êta precinho caro que a galera paga... Vai muito além dos 2,55 cobrados pela CPTM. Barato mesmo, só os rauss, amendoins crocantes e os palitos de chocolate (eu não compro, porque estou de regime desde a Idade Média).
Talvez o sacrifício tenha servido para me inspirar a criar, a voltar a escrever, sem ninguém aprovando ou desaprovando; se não fosse o trem, não sentiria de perto os personagens que criei e vi. Homens da caverna em meio a vendedores ilegais, moças bem-comportadas e figuras de filmes de ficção. Pensei cá, com meus pensamentos, que se dessem certo as histórias, a coisa se transformaria de uma Maria Fumaça, a um trem-bala, daqueles que atravessam a Europa inteira em um segundo... A gente viaja, né?
Estação Lapa. O calor está me consumindo. Sem personagens interessantes no trem que vai pra Barra Funda. Vou dar um tempo. Quem sabe algo acontece.


terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Infinito trem flexionado em gente ou asas do desejo


25.1

Já estou me achando. Me achando uma carga. Enquanto esperava o trem, na Luz, ouvi um barulho familiar e já fui me posicionando... Era de carga.
...
Hoje, dormi.
...
São Paulo é de aquário como eu.
...
Esses garis dos trilhos vivem seus dias de homem-aranha e Batman arriscando suas vidas na dura aventura nada humana de catar toda sorte de entulho. Humanos. Restos.
...
Preciso falar de sexta passada.
Eu, uma soldada rasa, não desci em Comandante Sampaio. Com a chuvarada de mais de trinta dias, que esbraveja contra nós (bem-feito pra nós que tanto cuspimos na natureza, e uns contra os outros), segui pra Itapevi; quase vomitando da Luz pra lá.
Odisseu não resistiria.
De sexta não tinha nada. Olhares perdidos e sem motivos pra comemoração. Queria ser o Nicolas Cage, naquele filme, Cidade dos Anjos; na verdade, uma releitura de Asas do Desejo, de Win Wenders. Queria ser ele, e sussurar, para as pesssoas, coisas boas, sem que me vissem.
Mas anjos não têm ânsia. Tem? Estava enjoada do cheiro de borracha queimada do trem e dos suores já secos de um dia de batalha.
Fui de taxi pra Cotia e, de lá, rebocada por um Jippe de um amigo.
Como hoje é segunda, não me lembro do nome da música que ouvi na sexta, mas, certamente, era um blues combinando com o tom também azul dos bancos tristes e descascados pelo vandalismo e pelo tempo. Talvez um soul vindo de dentro daquela gente corroída e desgastada pela rotina.

Som do trem: Quinteto de sopros de Curitiba, tocando Serguey Procofiev

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Quem seria o quinto elemento?


3.2.2010

Fomos escoltados da Barra Funda até a Luz. Confesso que me senti, mais uma vez, em um filme de ficção científica. Eram 4 guardiões: dois em cada porta do vagão. Posicionados. Guerreiros à espera de nada. Entre eles, uma guardiã. Traços delicados, quase angelicais. A boina, bem posicionada, nada de armas. Pensei na fragilidade do ser humano. Pensei no que li, ontem, sobre o vazio.
"Os quatro elementos (água, terra, fogo e ar) ... são vazios, nada mais que vazios...combinados, são como o rastro deixado por uma ave voando pelo céu."
Pensei no meu cachorro, meu guardião, sozinho, lá em casa. Ele, um boxer guardião de 4 anos e pouco, preenchendo meu vazio que durou cinco. E agora sou eu quem o deixa vazio.
No Brás, mais gente sobe. O piano está monótono. Não me gusta Debussy. E um velho homem faz propaganda do governo, na placa da estação.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Trouxas



- E quando eu vi aquela jabiraca veia dos inferno, eu disse: "Mais dotô, como é que eu, mais cinco minino, vô aí?"

Cinco piás, cinco gigantescas e toscas malas, trouxas e amarrações e uma mulher franzina, de voz forte e engraçada. Humor meio Didi Mocó que não nos dá a chance de ter dó.


- Nesse dia, não achava o chortis de Gabriel. E tava lá no fundo... Dormi na rua...
Eu desci. Uma avalanche humana entrou.


Som do trem: Viagem ao Centro da Terra, com o Rick Wakeman (que parecia meu amigo Reinaldo)
Falando em amigo, essa ilustração muito louca e linda, é do meu amigo competentíssimo Alexey. Acho que ele aceita encomendas...

domingo, 14 de fevereiro de 2010

Trindade


A menina que conheceu Trindade
se ligou na natureza,
viu cachoeira, pôr do sol,
comeu pão integral,
tem piercing no nariz, e faz arquitetura,
e quer dias melhores;
está em pé, e é vendedora
está em pé, e é serena e jovem
está em pé, e é bonita e bem-cuidada pelos pais;
está em pé, e quer ir embora daqui.
Todos estamos em pé.
E eu, aqui.
Aqui, desci.



20h00

Som do trem: Yo-Yo Ma, tocando Prelúdio de Bach, para cello, suíte número 1

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Trenzinho


5.02

Sexta-feira braba. Um casal que parecia sair de um porta-retratos, direto da década de 40, sentou-se. Ela era cuidadosa e tinha um vestido, bege, comportado. Ele, tímido, com umas manchas no rosto e braços. Ambos, gratos, chuparam bala de gengibre comprada de um vendedor ambulante no trem. "Bala de gengibre!". "Ajuda na cura da gripe, dor de garganta, tosse, catarro!". "É 1 real!". Meu corpo gruda. Estou de preto; um menino, de branco. O cheiro do trem, novamente, me dá náuseas.
Sorrisos, casais idosos, o casal da bala. Os sorrisos grafitados nos muros das estações me dão esperança. Atrasada. Eu e o coelho da Alice. O trem, uma tartaruga e a fábula.
Eu e o sorriso do gato de Alice, na capa do caderno brochura, da minha filha que é pura doçura.

11:00

Som do trem: O trenzinho do caipira, de H. V. Lobbos, com Uakiti.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Blade Runner adormecida


2/2
Embarcou uma replicante, na nave de gente normal e cansada, com suas roupas normais, caras normais, celulares normais. Olhares perdidos, olhares fixos em suas bíblias e evangelhos. Ela, em sua idade humana, teria uns 15. Lembrei-me de Daryl Hannah, aquela androide, replicante, de Blade Runner. Olhos pintados com delineador exageradamente preto, cabelos lisos com tintura indispliscente, nas pontas. A viagem segue. Confesso que estou cansada de virar personagem de mim mesma. Recomecei minhas leituras budistas para ver se controlo minha mente. Dor de dente.
Os pés, pequenos, harmonizavam com o resto do seu biotipo. Lembrei-me de mim. Dos meus sonhos, do meu rabo-de-cavalo, preso na nuca, sempre adestrado pela minha mãe; eu sorria mais que a menina da nave. Será que a mãe dela faz pimentão recheado? A minha fazia e, na época, era tudo orgânico e barato. Talvez ela nem tenha um passado.
Mais uma terça-feira me leva de bonde; bem que poderia ser naquelas naves que o Harrisson Ford pilotava, no filme, tendo ao seu lado, a androide e quase humana Sean Young, linda, com aquele topetão.

" Uma experiência e tanto viver com medo, não? Ser escravo é assim." (...) "Eu vi coisas que vocês nunca acreditariam. Naves de ataques em chamas perto da borda de Orion. Vi a luz do farol cintilar no escuro, na Comporta Tannhauser. Todos esses momentos ser perderão no tempo como lágrimas de chuva (...) É hora de morrer".

(Na cena final do filme Blade Runner, Roy Batty, o último replicante os Nexus 6, trava um diálogo, que me arrepiou a espinha humana, com o caçador de androides, interpretado por Harrison Ford)

Sons do trem: Vangelis (que é a trilha do filme)
Pavana para uma enfante defunta, de Maurice Ravel (que combina comigo)
Recordando, de João Pernambuco (que combina com a arquitetura da estação da Luz, seus tijolinhos e detalhes em branco, nas portas arqueadas)
Opus 59 de Chopin (que combina com tudo)

10:00


terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Evolução

Às vezes é melhor apagar todo o cenário a sua volta, com uma boa borracha e redesenhar a realidade. Lembranças, bem como aromas, me transportam, ora pro céu, ora ao inferno. Estou cercada por três homens da caverna; acho que são australopithecus. Um deles deve ser o líder, pois expõe - bancando o folgadão - seus dedões esparramando-se no assento da caverna quase encostando no meu joelho (que anda dolorido). Ele sorve uma tina de água, espirra por todos os lados e divide com os outros seres de sua espécie. Não entendo o que diz, só o vejo gesticular muito. São australopithecus do bem.
E então, tem o céu do lado de fora. E aí, vem o The Police para me resgatar e me levar para os anos 80. Vou pra Floripa, conheço um príncipe; vou pra São Paulo e entro no Centro Cultural Vergueiro. Saio de lá, ando a pé, tomo chuva, ouço The Police. Os outros habitantes da caverna não conhecem o mito.
Como dizia um antigo amigo: "O homo, que sapiens é, erectus fica.
E assim vai.

Som do trem: Spirit the material world, The Police

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Encheu

Encheu, enchi, transbordou tudo,
rio, riacho, minha paciência.
Encheu, enchi, transbordou
o rio Tamaduateí.
Encheu, transbordou o ódio,
a violência, a intolerância.
Encheu. enchi.

sábado, 6 de fevereiro de 2010

Paisagem surreal; mais impressões do trem


22.01


A entrada e a saída desses seres que batalham é frenética, é frequente. Hoje, dois vendedores de redes aportaram (suas fontes de renda) bem perto de mim; ali elas descansavam, até sabe quando... Ouvi um som dodecafônico que aprecio e me incomoda; mas revela, na mais perfeita forma e cor, a paisagem surreal dos vagões de trem. A moça lês os últimos acontecimentos da novela das sete, na revista popular. Eu, não diferente dela, um livro budista. Tempos modernos. Quem é mais feliz? A rede vai trabalhar. A música mudou. Um Debussy me traz paz; não gosto muito, mas a melodia não me incomoda.
Hoje é sexta-feira, e as pessoas têm planos.

Som do trem: Clara Crocodilo, de e com Arrigo Barnabé
10h00

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Ouvindo Gershwin no trem


Itapevi não tem os encantos de Paris (Hoje, com mendigos sob a Torre de ferros, segundo meu amigo que lá esteve, recentemente) ou de Curitiba (ainda bela), mas tem o cheiro do ralo, das massas e da minha maçã amassada, na minha pasta preta. Que estranhos caminhos a gente escolhe pra prosseguir com a vida...O meu, atualmente, tem início na estação de trem de Itapevi, parando na Barra, que não é do Rio - mas é funda, cheia, barulhenta - e teletransportando-me para a Luz (que admito, é linda!). E, aí, em Utinga (origem indígena?), meu destino final. Tempo estimado: 2 horas e meia. Entre vendedores ilegais (e incautos) de balas ("Olha o Ráussgeladinhosensaçãorefrescantenagarganta!", Chicretes!) e músicos fazendo a gente rir e chorar, aguardo minha absolvição, quem sabe de um Deus vindo das páginas da bíblia puída, daquele beato, de terno, sentado à minha frente.
Mas até que o juizo final aconteça, sigo, desajuizada, pelos trilhos da estrada férrea ouvindo Gershwin, no meu fone de ouvido, da Samsung.



8:15



Som do Trem: Somertime

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Entre Mendelson, Chopin e biscoitos amanteigados


Fórmula para abstrair a realidade que insiste em me deixar de baixo astral, logo cedo, agora que estou prestes (Júlio Prestes?) a completar algumas décadas de vida: Opus Fantasia 66, de Chopin + H2O e olhos bem fechados (só os abro para descer na plataforma certa, pois sou meio off). Ainda bem que os abri, pois vi um casal de chilenos, com trajes tradicionais. Iam ganhar o pão, digo, parrillas em alguma parada. Penso que há profundidade no vagão e nos olhos deles; posso ver até a última pessoa, com a cabeça inclinada. O vagão está vazio. A música, acabando, e a pianista, talentosa e jovem, interpreta Fantasia e Improviso Opus 66, de Chopin. Não minha viagem. Ela não acabou. Aliás, está interessante. Os biscoitos amanteigados? Derreteram em algum quiosque, cercado por pombas famintas.